Texto de Renata Pauliv de Souza Casanova
Psicóloga
CRP 08/06487
Viver a maternidade e a paternidade é o sonho de muitas pessoas e a adoção é uma forma de realizá-lo.
Esta vivência começa a ganhar forma por meio do processo de habilitação, da espera até a chegada da criança/adolescente que se tornará filho. Muitas expectativas, sonhos, fantasias, ansiedades, angustias permeiam esse momento.
Quando a criança/adolescente chegam a esta promessa de nova família para alguns o sonho se transforma em pesadelo: a realidade se mostra muito mais difícil, dura do que a doce ilusão de que tudo seria fácil.
Ora, ter filhos dá muito trabalho! Eles exigem tempo de qualidade, atenção, afeto, resiliência dos pais para lidarem com as rejeições, agressões, tristezas, angústias. É uma verdadeira “maratona emocional”, por vezes sem trégua. Uma dedicação total.
Justamente nesta prática diária que muitos postulantes se assustam ou desanimam. Descobrem que esta luta cotidiana cobra um preço que, para alguns, é muito caro. Vivenciam o estresse emocional, desenvolvem sintomas e quadros depressivos, ansiosos, apresentam sentimentos de impotência, desvalia , baixa autoestima e sentimentos ambivalentes em relação àquela criança/adolescente.
Em muitos casos frequentar grupos de apoio a vinculação adotiva e pós adoção e/ou psicoterapia facilita o enfrentamento desta fase, no intuito de superar suas dores emocionais, aceitar este novo membro da família como ele é, trabalhar com os desafios da parentalidade , da filiação, da frataria , das relações intrafamiliares e interfamiliares.
Contudo, há os que desistem, devolvem. Destes abortos adotivos tiram-se reflexões e ensinamentos.
O que, de fato, faltou nestes casos?
– foi um “erro” no processo de habilitação?;
– foi uma precipitação dos pretendentes em aceitar a criança/adolescente?;
– foi medo dos postulantes em dizer “não” e ser excluído do cadastro?;
– foi o início da convivência familiar no final do ano, tempo de férias escolares e do judiciário?;
– foi despreparo dos postulantes?;
– foi despreparo da família extensa dos pretendentes, que por vezes incentiva a desistência diante das crescentes dificuldades e desafios vivenciados?;
– foi falta de comunicar à Vara de Infância e Juventude as dificuldades vivenciadas na família, por medo de perder o filho?;
– foi a manutenção do vínculo de lealdade da criança/adolescente a sua família de origem?;
– o processo de luto da criança/adolescente não estava finalizado?;
– os jovens ainda mantinham contato com suas famílias naturais por meio das redes sociais?;
– a criança/adolescente não desejava ser adotada? Eles não entenderam que isso significava deixar a família de origem no passado?;
É sabido que para a adoção florescer e frutificar a preparação é imprescindível. E ela está nas mãos dos postulantes. É mister sensibilizá-los quanto a isto.
Não basta amor para se adotar, é preciso conhecimento;
Não basta conhecimento para se adotar, é preciso transforma-lo em sabedoria.
E como se transforma conhecimento em sabedoria? Trazendo-o para a vivência diária. E como fazer isso se ainda não há filhos? Buscando o convívio com crianças e adolescentes, observando-os junto as suas famílias em parques, escolas e outras vivências sociais – isso auxilia a desmistificar e desvitalizar fantasias e romances acerca da filiação e suas facetas; conversando com amigos, familiares que já tem filhos e lhes questionando sobre as dificuldades, dissabores e decepções que ocorrem na vivência das famílias.
Afinal, todos os pais têm expectativas que, em algum momento, serão frustradas pelos filhos. Por que estes filhos são maus, ingratos? Não, porque as expectativas são dos pais. É bem difícil viver ou cumprir a expectativa do outro. Ser o que o outro impõe é se despersonalizar.
É importante, também, lembrar que por algum tempo os postulantes poderão precisar colocar sua vida (pessoal, social, profissional) em segundo plano. Essa pausa é sentida, por alguns, como um peso, uma ausência de si mesmo.
Ter filhos dá trabalho. Preparar-se para esta labuta cotidiana auxiliará no processo de adaptação intrapessoal, interfamiliar a essas exigências e demandas.
Cada vez mais os grupos de apoio à adoção têm mostrado dados positivos quando da frequência assídua dos encontros preparatórios, reflexivos, e do acompanhamento nos estágios de aproximação, convivência e pós adoção.
Buscar ajuda , apoio não é sinal de fracasso, incompetência. É um ato de amor. É também uma forma de cultivar o sonho da parentalidade, fortalecer vínculos afetivos e evitar (ou, ao menos, minimizar) o aborto adotivo decorrente da ausência desta busca.