Os pretendentes lutam muito para conseguir adotar um filho: a organização dos necessários documentos, a preparação e a longa espera. Finalmente serão chamados. Que alegria!
A depressão após a chegada do filho nem sempre acontece e se ocorre não é revelada. Acomete geralmente a mulher. Como contar que estão angustiados se conseguiram o que mais queriam? Será essa uma das causas por que alguns interrompem a adoção?
Levinzon:
Na depressão pós-adoção, não há mudanças hormonais, mas pode acontecer que os pais tenham depositado tantas expectativas na chegada da criança que se sintam desanimados ou derrotados diante dos desafios diários de criar o filho recém chegado. Se isso acontecer, a ajuda de um profissional capacitado pode ser de extrema valia, ..tanto para a mãe…quanto para a criança… (p. 45)
O filho em casa e de hora para outra a rotina mudará. Leram muito, ouviram depoimentos e se surpreendem com a luta diária, com a mudança. O marido era o “xodó” da esposa e perde o lugar para quem chega. Se sentirá em segundo plano e poderá culpar a criança.
Licença-maternidade dos pais, tempo maior para a mãe que trabalha profissionalmente, onde é prestigiada, e agora irá ficar em casa atendendo o filho que a olha desconfiando, faz birra, chora. Outra pessoa poderá tomar o lugar dessa mãe na empresa? Seu novo diploma é ser mãe.
Junto com a alegria pela chegada do sonhado filho vem a insegurança. Seus medos afloram: poderemos dar conta de educar? Será que surgirão problemas emocionais ou genéticos? Quanta dúvida misturada com emoções gratificantes.
Se inicia um novo tempo: ansiedade da espera é trocada pela ansiedade da chegada. Quanta responsabilidade não prevista e imaginada: num um pequeno ser sob sua tutela.
Alguns pais não sentem amor imediato, não conseguem uma ligação rápida e se angustiam. O filho foi lhes indicado e talvez devesse ser o contrário: o filho escolher os pais pelo encontro do olhar. O amor é uma conquista, uma escolha.
Sentimentos contraditórios e confusos, particularmente da mulher, que pode ter dúvidas do seu instinto materno. Busca o apoio do marido, que já terminou sua licença paternidade e voltou para o trabalho. Sente culpa pelos seus sentimentos.
Os pretendentes tinham muita expectativa durante a espera e o filho que chega não correspondeu ao que esperavam. Preferiam menino, veio menina, queriam de três anos e veio de seis, sonharam com um príncipe ou uma princesa e chega uma criança real, diferente do que imaginaram. Fazem comparações com outras crianças da família, vizinhos, vem a frustração que não pode ser revelada para ninguém. O que fazer se não corresponde ao esperado? O que vão pensar deles?
Familiares questionam, dão palpites, fazem visitas inoportunas. Pais são pressionados e pressionam o filho. Descobrem que não são superpais, perdem energia, não tem suporte familiar e não buscam ajuda. Alguns acham que buscar ajuda demonstra fracasso, incompetência. Pelo contrário: solicitar ajuda demonstra o desejo da paternagem dar certo.
Tudo isso gera estresse, impaciência, exaustão, insônia. Há uma perda de humor e a resposta social é negativa. Depressão! Humor negativo, perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas, variação do peso para mais ou para menos. Culpa, vergonha, indecisão, fadiga, medo do desconhecido são sinais de alerta.
Muita emoção, muita novidade para aprender a lidar. Parece que haverá um surto! Tudo vem devido a expectativas, perda da rotina e falta de domínio das rédeas que antes mantinha tranquilamente.
Certas emoções básicas do ser humano ficam inconscientemente arquivadas, como a raiva da espera demorada, ansiedade, tristeza de ver que outros já receberam o filho, medo. Isso irá provocar o choro, cansaço e até a fome incontrolável (muitas novas mães engordam, enquanto outras emagrecem). O metabolismo se altera devido às mudanças externas sofridas. O cérebro fica entristecido e virá a depressão.
O importante é não esperar muito para a busca de ajuda, com humildade, com desejo de solução. Não se sobrecarregar, dar espaço para a criança que chegou e deverá se acostumar com a casa e seu ritmo. Ser flexível. É realmente um período de turbulência.
Os pais estão cansados de tanto esperar pela chegada do filho e quando esse chega se preocupam com o papel de serem pais.
Acordam para uma realidade tão esperada e quando acontece se assustam como se fosse um “ inesperado fato”.
Com a passagem do tempo tudo se acomodará. Será preciso investir no desejo para dar certo. Ir em busca de socorro adequado e rápido. Evitar acumular tensões e irritabilidade. Viver um dia após o outro. Todos adotantes enfrentam dificuldades, bem como todos os tipos de pais.
O filho será filiado e irá mudando com a idade e desenvolvimento e, principalmente, essa mãe angustiada será uma mãe de fato. O filho se insere na família, onde receberá um novo sobrenome. Nova história se constrói. Com os filhos gerados, biológicos, é a mesma coisa. Choram, desobedecem, desafiam, fazem birra, irritam e as mães se deprimem do mesmo jeito. Isso é vida e será sempre assim…
Referência
Levinzon,G.K.(2014)-“Tornando-se pais-a adoção em todos os seus aspectos”-SP-Casa do Psicólogo.